sábado, 29 de maio de 2010

O maior gol de todos os tempos


Luis nasceu num dia quente, numa opressora tarde de verão carioca, quando o médico responsável pelo parto resolveu dar cabo do gritar desenfreado da mãe, que acabou por ter que dar a luz da maneira que não desejava, através de um corte de bisturi. Dizia ela que já que seu filho teria que conviver com a incontornável mão da intervenção da ciência – e da má ciência, como os alimentos industrializados e as redes sociais na internet, assim dizia pretensiosamente a mulher tatuada em um tempo diferente do seu próprio -, que ao menos no primeiro contato com a existência além útero, o menino deveria ser conduzido pela mão da natureza.

Não se sabe ao certo o que as primeiras impressões sobre o mundo externo causam de definitivo à pessoa. Levando em conta que tudo o que nós conhecemos quando recém chegados à vida são aquelas sensações mais primitivas, as que minoramos, desprezamos e subestimamos depois de velhos – os cheiros, dores, a fome e a variação da temperatura -, podemos afirmar que Luis nasceu sob jugo da opressão da estação do Sol. Durante os seus primeiros meses, o menino agonizou, chorou irremediavelmente diante da brasa do sádico tumor amarelo que jamais brilhara tão intensamente quanto naquele ano. Sua mãe que já havia de tê-lo parido sob condições artificiais, agora tinha mais um canhão para o seu arsenal verborrágico diário contra a humanidade e suas excrescências contemporâneas; coisas como o aquecimento global, que naquele momento fazia seu menino cair em prantos irrefreavelmente diante do bafo da fornalha que malogrou o ar daqueles dias.

E se alguém jamais atinou para o quanto o temperamento humano em seu estágio inicial de pavimentação se dobra mediante as reminiscências dos primeiros dias de vida, é bom que se preste atenção, então, ao menino Luis. O menino sentiu o fogo da opressão desde os primeiros instantes: no alvorecer de tudo o que estaria por vir, estavam postos um bisturi, uma luva, uma irascível e resmungona mãe e o sol, um sol jamais sentido como naquele ano. Não havia fome sem calor; não havia sono, riso, choro, fezes, tios, brinquedos sem o calor. Tudo passaria a ser visto e encarado, daqui para frente, através da angústia e da pele untada em suor naquelas semanas de iniciante.

Ninguém, óbvio, pode objetar que, não obstante o fato de uma recém criança não poder fazer nada do que um adulto faz, um bebê é tão sensível quanto as pessoas de idade avançada. O choro estridente de um nenezinho é o que exprime melhor o sofrimento humano, mesmo que seja esse por uma necessidade que virá a ser inequivocamente tola para um adulto, até mesmo para uma criança mais madura ou um adolescente. Se Luis chorava por leite ou por prisão de ventre é porque não sabia falar; se não sabia falar, só podia mesmo sofrer, visto que não sabia como e o quê pedir. E, se os velhos calejados não choram mais por não ter o que querem, é só pelo fato de já terem se acostumado a tantas negativas. Não é o amadurecimento, tampouco o domínio da língua que ergue o muro do silêncio nas relações interpessoais, é o hábito de receber uma quantidade incomensurável de negativas. A cada longitudinal balançar de cabeça, a cada incontinente balbuciar dos lábios, a cada rotundo e convicto não, chora lá na mais instransponível vereda de nossas memórias um bebê.

Luis foi crescendo. Clinicamente, era perfeito. A mãe vivia agradecendo ao seu santo de devoção pela graça dada. Às missas de Domingo ia religiosamente, e sempre à missa das crianças. No meio daquela multidão de mães e avós, contava com certo orgulho da saúde de seu filho, o que soava sempre muito mal aos olhos das outras mães que viviam em consultórios e em salas de fisioterapia com seus pequenos enfermos. Mas se o menino Luis parecia um pequeno touro frente aos coleguinhas, no seu interior jazia uma terrível solidão. A excêntrica mãe, ao contrair o glaucoma materno que distorce a visão que se tem da cria, via naquele menino tímido e solitário um infantezinho, mesmo que para o resto da paróquia estivesse bem claro que se por um lado Luis gozava de força física, por outro o garoto não se relacionava bem com os coleguinhas.

De fato, Luis era só. Era impressionante a velocidade com que se desvencilhava das brincadeiras criadas pelos amiguinhos. Se havia um pique-esconde, deixava-se pegar, o que despertava a ira dos outros meninos. Tão logo a criançada percebeu que Luis não ligava para os xingamentos e cascudos, e deixavam-no de lado, como se faz com os meninos “café-com-leite”. Se havia uma pequena disputa – pequenas corridas, purrinha, par ou ímpar – não demonstrava qualquer interesse; por vezes era obrigado a compor a bandeirinha, o que sempre terminava mal. Luis apanhava quieto.

Pudera: era a opressão. Nem consigo imaginar o que vai no coração de uma pessoa que só conheceu a opressão, impingida pela vida. Desde o sol daquele verão horroroso, Luis vivia enclausurado pelo suor. Atrás daquela espessa camada de tristeza vivia um outro menino, uma espécie de borboleta em seu casulo, e esse invólucro espesso e vil não tinha como se partir. Era como se houvesse um halterofilista preso numa casa de bonecas que nunca se abria. Esse halterofilista não parava de crescer, enquanto a casa permanecia como deveria estar para sempre: imóvel. E na mesma medida em que o halterofilista e a casa de bonecas iam se tornando cada vez mais anacrônicos, Luis se distanciava das coisas do universo dos meninos. Seu rosto não se movia, não expressava o que sentia; na verdade, depois que aprendeu que o choro não mais lhe servia, foi se tornando incomunicável.

Sua mãe vislumbrava naquela criança introvertida um leão. Quanto mais Luis ficava distinto do que deveria ser um menininho normal, mais a mãe introjetava em sua própria mente as ideias que só poderiam ganhar vida dentro de uma mente num avançado estágio de loucura. Conquanto Luis fosse ainda muito novo – a essa altura tinha acabado de completar seis anos da mais ostensiva solidão – e parecesse muito improvável que seus estranhos gestos resultassem do contato nocivo e latente com o universo paranóico da mãe, era de saltar aos olhos a terrível coincidência: mais a mãe se perdia em devaneios, mais o filho se embrenhava na melancolia do auto relacionamento.

Talvez tudo tivesse ocorrido de outra maneira se o pai não tivesse se tornado ausente. Nos últimos dias daquele calor infernal, daquele verão insuportável, a figura paterna abandonou o navio da vida de Luis. Homem avesso aos conflitos, deixou a mulher no comando da própria vida e num monólogo cada vez mais taciturno acerca de suas agastantes teorias. Na realidade, homem nenhum deixa mulher e filho por não aguentar meia dúzia de bobagens recorrentes, de modo que é difícil saber se a loucura estava encruada na mulher desde sempre ou se aquela cabeça pródiga em digressões patéticas se perdera de vez na solidão de mulher abandonada.

Para Luizinho, as consequências se revelavam de formas sutis, sobretudo nos primeiros anos de sua vida. Quando o garoto já demonstrava para todos que embarcara num mergulho abissal em si mesmo, os comentários das outras mães da paróquia proliferaram feito uma pandemia. Entre as discussões sobre as novelas, as compras, o padre, os maridos, o garoto Luis virava pauta cada vez mais constante nas rodas matutinas de Domingo, sempre após a concorrida missa das crianças.

E numa dessas manhãs de bochorno, tudo transcorria como sempre: as mulheres comentavam o sermão do Padre, as crianças corriam no pátio contíguo à igreja, os homens tratavam de rir e papear em frente ao portão maior da paróquia, algumas senhoras já recolhiam os objetos do altar, enquanto o padre falava à sós com um dos seus secretários. Tudo na mais perfeita ordem, inclusive Luís.

Depois de todo final de missa, o garoto se dirigia ao corredor externo de uma das laterais da igreja, onde ficava o salão de festas. Pouco à frente do salão havia um pequeno canteiro com umas mangueiras bem novas, de tamanho bem modesto ainda. Como a copa dessas árvores era insipiente, o sol as perpassava sem a menor dificuldade, sobretudo naquele verão infernal. Naquele pequeno pedaço de terra crescia, desimpedido, um pequenino gramado, onde Luis ia sempre depois da missa para brincar, se é que pode-se chamar aquilo de uma brincadeira. Luis sentava no ínfimo meio-fio que separava o chão de cimento da terra, donde brotavam as jovens mangueiras. Nesse local, Luís sempre fazia a mesma coisa – antes de ser perturbado pelos colegas egressos de alguma zombaria feita depois do “Vão em paz e que o Senhor vos acompanhe” do padre -: retirava folha por folha da grama, de modo que todo gramado ficasse como um perfeito campo de golfe. Ao roçar cuidadosamente os pedacinhos daquela espécie de gramínea delicada e fina, trazia cada naco verdinho para bem perto de seus olhos, como se ali se encontrasse a solução de um grande mistério ou mesmo um grande tesouro por muito escondido.

No muro que separava a igreja da praça havia um portão preto bem baixo, mas totalmente encerrado numa placa de metal, que dava para o gramadinho. Luís jamais havia pensado em atravessá-lo, a despeito do barulho feliz que sempre chegava da praça após as missas. Ele estava mesmo é entretido com a sua grama. Mas, nesse dia, o portão estava entreaberto e Luís resolveu, num súbito incomum de curiosidade, ir até a praça.

Quando pôs o pé direito para fora do seu bem cuidado jardim, viu uma bola rolando bem em sua direção. Não houve tempo para pensar, somente para ou se desfazer da bola com um chute ou dominá-la para si. Luís, gostando cada vez mais daquela sensação de curiosidade, resolveu ficar com a esfera em seus pés. Com a sola esquerda, munido incrível precisão, controlou a bola. Ficou um breve momento olhando para baixo tentando entender não se sabe o quê, quando notou a presença de um menino correndo em sua direção. Aos gritos, o menino se aproximava requisitando, pedindo a bola , mas Luis estava sem reação. A última coisa que podia ter mente quando atravessou o portão era de que um menino raivoso viria em seu encontro. Mas por algum motivo, assim como deixava seus colegas de igreja caçoar dele impunemente, Luizinho ficou imóvel. Quando o menino mostrou que iria não bater em Luis e sim tentaria lhe tomar a bola, deu-se o milagre: Luis o driblou com um suave corte para a esquerda. Ao ser driblado, o garoto entrou portão adentro, dando de cara com as mangueiras. Desviando delas, não pôde evitar a queda: seus tronco e pernas aterrissaram no gramado, já os braços e mãos ralaram-se no pavimento para proteger a cabeça.

Luis não viu nada disso porque depois do primeiro corte um outro menino – menor, porém com uma feição de cólera – o atacou. Luis desferiu outro drible. Os garotos que estavam de fora da pelada deram um grito que ecoou feito música nos ouvidos de Luis. A algazarra foi sucedida por um pedido de gol coletivo. A garotada gritava e pulava em êxtase. A sensação que Luís teve foi libertadora e inenarrável. À esquerda do portão de onde saíra para subjugar dois garotos desconhecidos havia uma baliza, um golzinho desses de madeira. Luis disparou com a bola. Esse mesmo objeto que era a fonte de suas humilhações na paróquia, que na escola nunca havia lhe despertado o menor interesse, que era mais uma das tantas coisas que não representavam absolutamente nada para ele dentro de seu ensimesmado parque de diversões particular, de um momento para o outro, num estalar de dedos, tornou-se tudo o que ele mais sempre quisera na vida até então. Os olhos arregalados de Luis apontaram para a baliza e para lá ele foi com a bola em seus pés. Na sua cabeça, a corrida é interminável; a bola parece querer sair dos seus pés como quem foge de um cachorro raivoso. Atrás dele os dois meninos estavam distantes: um ainda tentava acompanhá-lo, o outro chorava em razão das mãos raladas do tombo. No final dessa epopeia, Luis tocou para o fundo da rede feita com sacos de batata que aos montes sobram do fim das feiras de Sábado.

O que ocorreu depois foi uma explosão de alegria: uma dezena de garotos vibrando por um gol insólito, feito por um garoto que jamais tinham visto, que saiu de trás de um portão para deixar dois meninos maiores no chão e fazer o gol mais importante da história do futebol: o gol que libertou o halterofilista da casa de bonecas.

Os meninos maiores levavam Luís no colo e repetiam o que viam fazer seus ídolos, ao levantar os destaques dos times nas comemorações de um título. Aos poucos, aquele rostinho que não mudava nunca, aqueles olhos arregalados, aquela expressão petrificada pela tristeza inefável ...Tudo o que era Luís desmoronou em um regozijo na forma de um tímido sorriso.

Ao voltar para a igreja pelo mesmo portãozinho que o levara minutos antes ao delírio, ouviu sua mãe gritar seu nome logo depois de despedir-se da última carola que ainda restava. Quando ela olhou para trás, viu o filho dobrar correndo a coluna do santo prédio. Quando a viu, saltou nos seus braços. A mãe tremeu de pavor e felicidade ao ver seu filho num estado até agora inédito. Luís gritava. Queria contar as novidades:

“Mãe! Mãe! Fiz um gol...Um g-gol...Um golaço!”, gritou o menino com os dois olhos encravados no olhar da mãe.

Logo a mãe percebeu o milagre. Corou subitamente. Só tinha lembranças do filho se comunicando com ela para pedir o que pedia através do choro, quando ainda era um recém-nascido. Naquela confusão de futebol, tensão e júbilo, a combalida mãe recebeu a boa nova: o tempo da opressão, das tempestades de calor, aquele verão abrasivo havia, enfim, chegado ao final.

“Que bom, filho! – disse a mãe para depois de calar-se um pequeno momento e abraçar mais forte ainda seu Luizinho - ... Como foi o gol?”

“Mãe, eu passei por dois e fiz o gol!”

De alegria, a mãe não soltou Luis de seus abraços, até não aguentar mais de tanto peso e felicidade. De mãos dadas, voltaram para casa em silêncio, andando vagarosamente, debaixo do mesmo sol que trazia, dessa vez, um sedutor presságio, cientes de que o mundo – o calor, o sol, a missa, a bola - mudara completamente a partir daquele dia.

Vitor Gouveia

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Uma vez Flamengo, sempre Flamengo...




Olá flamenguistas, tricolores e secadores de plantão,

Mais uma vez, em menos de uma semana, nosso Flamengão não colaborou. Jogamos mal, o Flu jogou foi melhor e, por isso, perdemos o combate. Promessa é dívida!! Apostei com meu colega músico-letrista-peladeiro-atleta-casado-tricolor que, quem perdesse, escreveria sobre o FlaXFlu. Como vocês já devem saber, estou aqui...

Antes de começar a resenha, para os que não conhecem, a pintura acima é do artista Johann Moritz Rugendas. Um pintor europeu que veio ao Brasil entre 1822 e 1825, para testumunhar através da arte os acontecimentos de nosso recém independente Império. A imagem acima recebe o título de "Navio Negreiro". Uma obra em que o artista tentou apresentar as covardias e o cárcere dos negros vindos como escravos para a futura terra do Carnaval das bundas.

Parecido com a torcida do Mengão. Com uma grande diferença: nossos negros são felizes. E os brancos também!!! Aliás, com licença, somos negros, pretos, brancos, loiros e mulatos. A torcida rubro negra tem de tudo! Somos livres! Liberdade conquistada após o preconceito da escravidão. É favela, sim!! É baixo-Gávea, também!! Somos a maioria, mulambada, esculachada, não pagamos coletivos nem trens!! Somos a humanização da população brasileira. Quer vocês (adversários) queiram, ou não!

Ok, perdemos o jogo.

Perdemos de 2 X 1. Eu vi.

Jogamos menos que os tricolores?? Sim. O Fred jogou? Não. E o Conca? Fez o segundo. Aliás, não sei como anda a cabeça de Maradona (feita ou não, pancada ou careta), mas o Conca merecia um lugar no banco de reservas, pelo menos. Sempre fez excelente trabalho nos campos brasileiros e naquela Libertadores da L.D.U.

O primeiro gol, quem fez? O camisa 10 tricolor. Não sei quem é, não quero saber e os filha d*&%¨$# tricolores sabem!!! Gol legítimo, bonito, parabéns. O goleiro Rafael também pegou legal a bola do Só Love (sem Adriano, agora só Love) por cima. Fim de primeiro tempo!!! Ufa, vamos respirar!!

Começou a 2ª metade. Dá-lhe tricolor! Pó de arroz péla-saco!!! GOOOOLLLL!!! Conca!! Já falei isso!!! É, fazer o quê? Eles estão melhores. Rubro-negros, prestem atenção: nossa barca é essa. Na nossa regata, esse são nossos remadores. Não gostaram??? F*&%¨$#oda-se!!! Vai ser assim!!! Vamos lutar para sobreviver!! Alguém aí sabe se Anderson UFC PREMIER Silva COMBATE é flamenguista?!?!?!? Toda ajuda será bem vinda!

Enfim, GOL DO BRUNO!!! Ops?!?! Só um momento, gol de quem?!?!? Goleiro????? Puts, esse também deve ir embora. No mesmo navio que levará outros do Mengão. O $$$$ (din din) fala mais alto! Estão presos aos seus empresários. O destino nas mãos dos cartolas. Não são escravos, mas perderam a liberdade de escolha. A nau negreira partiu, ainda não se sabe pra onde. Somente uma certeza: vários irão atravessar Oc. Atlântico, outros ficarão pelo caminho. Boa sorte a todos. Ao último, a tarefa: apague a luz ou sopre a vela.

Atenciosamente,

Urubu Folgado.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Uma chance.


Lembra-se quando o Flamengo estava última vez tão perto das semifinais de Libertadores? Então, nem eu! Só temos uma chance, veja bem, uma única chance. Será quinta próxima, vai até passar na televisão. Para os rubro negros assistirem seu time, os onze já conhecidos. Até mais, pelo menos nove titulares e uns seis reservas. Temos uma coluna na equipe que é antiga. O otimista Bruno, costuma atuar bem em jogos decisivos. A defesa boa de ataque: Angelim, Leo Moura e Juan (esse último sempre cabreiro, pé atrás...). Mestre Willians (no plural... sic). E o ataque, como vai o ataque, meu bem?! Vamos ver. Mas nada disso servirá se falharmos. Os noventa e poucos minutos de bola rolando serão reduzidos ao 1 - único - um jogo.

Talvez não venhamos a falhar. O outro time é composto por jogadores de seleções, se não me engano são cinco. Brasileiros jogando contra gringos bons de bola. Nosso histórico não favorece. Já erramos três vezes, pelo uma inaceitável. Temos outra chance. Mais uma. Última. A torcida foi ao estádio na chuva. Também vimos a patinada contra os paulistas. Em tempo, faltou espaço pro Hernanes nos treinos experimentais de células tronco do Dunga. Tanta "meia colher" naquele time, podia ter olhado para os nossos.

Acho que já comentei com meu colega tricolor uma de minhas memórias. Procurando agora no Google, vi que já não era tão criança. Foi no dia sete de outubro de noventa e nove. FLA 7 X O UNI. Quatro gols de Romário. Na minha memória isso agora é novo. Lembro-me de estar sentado no chão da sala, que era dividida pelo sofá de costas para a mesa de jantar. Minha mãe sentada à mesa, corrigindo provas (hábito comum até hoje, acho que no meu caso é genético). Era a noite, meu pai estava no sofá. A luminária acima da mãe escurecia meu pai. Pelo rádio ouvia-se o jogo. Lembro-me de vários "Romário", "Flamen-go-go-go" e "U-ni-ver-si-dad do Chi-le, zero!". Se pelo menos houvesse uma chance de viajar no tempo.

O jogo será decisivo. Nosso atacante do amor sabe o que é uma boa oportunidade. Teve várias, nos mais diferentes jogos. É artilheiro mas estatisticamente necessita de erros para obter acertos. Nas palavras do escritor Daniel Pennac: "estatisticamente tudo se explica, pessoalmente tudo se complica". Esperamos boas atuações de Love e Abriano. Que o último guarde sua euforia vitoriosa para depois do jogo. Seus hábitos de entreterimento atrapalharam na última chance de ir a essa Copa.

Enfim, o FLA X FLU está chegando, em dois domingos. SUDERJ informa: tricolores, haja o que houver, não saiam do jogo ao fim do primeiro tempo.

Urubu Folgado

Passaporte para o desconhecido


Estamos nos primeiros momentos do campeonato brasileiro de futebol, mas a muito pouco tempo de viver uma substancial e longa mudança na nossa realidade de torcedor: vamos perder por no mínimo três anos o Maracanã. Iremos mandar nossos jogos no Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão.

Existe uma série problemas envolvidos nessa viagem com volta – graças a Deus! -, já que o estádio foi arrendado pelo Botafogo por vinte anos e o Maracanã voltará a ser alugado por nós ao final do Mundial de 2014. E aquele pensamento – “segurem a pemba, chorões” - que lembro ter tido tão logo o Fluminense “perdeu” a concorrência pelo usufruto do estádio, agora retorna recrudescido, só que a “pemba”, nesse momento, está prestes a cair nas mãos da diretoria e da torcida tricolor.

Engraçado esse termo “pemba”. Ele serve para denotar um fardo, uma coisa difícil de lidar. Porém, acho que ninguém sabe ao certo o significado literal dessa expressão do coloquial brasileiro. Assim como ninguém sabe o que é uma “pemba”, a despeito do que essa palavra assume inserida na famosa expressão supracitada, o Fluminense não sabe nada do Engenhão. Triste é concluir que, ademais o fato do buraco negro que vem a ser esse estádio infeliz, o nosso querido clube é uma “pemba” encerrada em si mesma. O Fluminense não sabe do seu torcedor, logo, não sabe de si próprio, em última instância.

A comprovação cristalina desse fato é o nosso recém ressuscitado plano de sócio torcedor conhecido como Passaporte Tricolor. O Passaporte foi uma importante ferramenta de inclusão de uma maciça parcela de nossa torcida, de maneira mais assídua, no ano de 2008, quando jogamos a Taça Libertadores. Muitos torcedores apostaram no passaporte porque viram, desde o início daquele ano, que o Fluminense poderia avançar no maior torneio do nosso continente. Com o desenrolar das fases mais agudas, os ingressos ficariam mais caros e inacessíveis. Por R$40 mensais, o torcedor tricolor poderia ver qualquer partida cujo mando de campo fosse nosso. Pois bem, o programa representou não só um incremento de torcedores nos jogos de menor apelo como mostrou nitidamente o potencial da nossa torcida, além de deixar explícito que os caminhos da fidelização do torcedor não são tão complicados de se percorrer: o torcedor do Fluminense estava ansioso por um pouco de atenção do clube, por ser tratado como protagonista.

Depois desse sucesso, o Passaporte sofreu com críticas, principalmente as que contavam do aumento do valor da mensalidade e do insano contrato assinado com a prestadora de serviços que produzia e dava sequência ao programa. O valor revertido ao clube era irrisório. Nessa mesma época, ganhou força a campanha de associação ao clube que levou muitos sócios torcedores a migrar para a modalidade que permitia ao associado participar da vida política do clube. Antes de dizer que a mudança foi acertada por grande parte da nossa torcida, é necessário pontuar o absurdo. Só mesmo no Fluminense o sócio vota mas não recebe o direito de ver os jogos do clube por isso – existe o benefício da meia entrada, mas até esse andou suspenso nos últimos tempos –, e o sócio torcedor não vota mas ganha direito de assistir os jogos. A manobra política é evidente, mesmo que lida nas entrelinhas. O sócio torcedor paga menos e tem direito a ver os jogos do seu clube, contudo, não vota. Um clube que não anseia por ter mais torcedores de arquibancada nos seus quadros sociais só poderia mesmo proceder de maneira tão desleixada com o sujeito que lhe traz a honraria de ser conhecido como clube grande.

E depois de ter sido enterrado, o passaporte tricolor retornou. Excetuando o valor inicial para confecção da carteira de “associado”, o valor da mensalidade é de R$55, sendo assim liberada a entrada do torcedor no setor das arquibancadas amarelas do ”maior do mundo”. Mas, quem fez o programa parece ter chegado de Vênus por esses dias, e não sabe que o Maracanã vai fechar pelos próximos anos. Por isso, os nossos magnânimos extra terrestres da galáxia distante de Laranjeiras não previram sequer o que qualquer criança sabe de cor e salteado: se não cair um estádio do céu, vamos jogar naquele horroroso estádio da prefeitura.

Mesmo que o senso comum diga que o Engenhão é o mais moderno estádio em território nacional, que ele é o que reflete melhor, no Brasil, o conceito de arenas modernas e aprazíveis ao torcedor, é possível refutar tal afirmação com precisão. Quem já foi ao estádio sabe que a atmosfera lá é ruim e que aquela arquibancada para além dos gols é inacabada. Só os setores Leste e Oeste inferior são razoáveis para quem gosta de torcer para seu time de futebol; o resto do estádio é feito para quem vai ver um meeting de atletismo, e de binóculos, de preferência. A segurança lá já se mostrou mais difícil de ser promovida pelo GEPE, além dos problemas com o estacionamento de veículos.

Por isso, o mínimo que se poderia esperar do passaporte tricolor é que, no seu contrato de adesão, já estivesse estabelecido onde o torcedor associado deve se localizar no Engenhão. Mas, o Fluminense é um clube incrível! É muito provável que os mentores do Passaporte nunca tenham ido ao Engenhão, ou sequer tenham consultado torcedores que lá já estiveram para acompanhar um jogo de futebol. Pode até ser que a diretoria ainda esteja aventando outras possibilidades, como o Raulino de Oliveira ou São Januário. Se for isso, é hora de fechar para balanço e chorar na cama – com PFC, amendoim e um gorozinho – que é lugar quente.

A falta de projeto é gritante. O programa entra no ar às vésperas de uma mudança anunciada desde a divulgação do cronograma de obras do Maracanã, e mesmo assim, o Passaporte Tricolor entra em cena depois do tempo, já que a comercialização deveria estar sendo feita desde o ano passado – vide o caso dos clubes europeus que seis meses antes de começarem as ligas locais estão vendendo pacotes de ingressos com sedutores descontos que garantem austeridade e casa cheia o ano inteiro. Não há também uma definição sobre os ingressos destinados às Organizadas, o que faz a situação beirar o risível. Imaginem que o nosso Marketing ainda não se posicionou sobre a possibilidade do Passaporte ser destinado ao mesmo setor dos ingressos gratuitos. Se isso acontecer, mais do que um tiro no próprio pé do programa, já que as gratuidades limitarão o número de pacotes que poderão ser vendidos, revelar-se-á novamente a falta de vontade política para resolver de vez essa questão, seja para acabar com os ingressos gratuitos, seja para normatizar a distribuição, de modo que essa não seja mais por razões políticas e pontuais.

Por isso tudo, não fiz meu Passaporte. Quem entraria num barco sem comandante que navega ao prazer do vento, sem saber onde vai chegar? Mas ainda há tempo de aprumar as coisas, se é que existe interesse real em fazer da torcida parte primordial do espetáculo e promotora importante do orçamento do futebol Tricolor.


Vitor Gouveia

sábado, 15 de maio de 2010

O Homem que não estava lá


Com o drama inequívoco e esperado devido ao momento vivido nesse ano, o Fluminense conquistou os primeiros pontos nesse campeonato brasileiro meio barro meio tijolo. Isso sempre acontece em todos os anos, quando boa parte das equipes está em estágio decisivo em outras competições. Assim, enfrentamos um Atlético Goianiense misto, com direito a Rodrigo Tiuí e tudo!

Começamos o jogo ainda confusos pela alteração tática mais do que premente, desde a morte do Time que Guerreiros ainda no Estadual. Os três zagueiros foram extintos para a entrada de mais um meio campista. Isso gerou certa confusão no início do jogo, pois a dupla de volantes não se achou com os zagueiros , que não tinham mais aquela opção de saída lateral do zagueiro da sobra para os que jogam abertos. Nossos laterais, que há tanto tempo jogavam de ala, viram-se presos à boa marcação do time rubro-negro, principalmente no primeiro tempo. Sem a ajuda dos atletas mais qualificados para saída de bola, os nossos zagueiros, Digão e Leandro Euzébio, tiveram que tomar à dianteira. O resultado foi quase um pastelão. Mas o espetáculo de horrores foi curto. Logo o Fluminense se assentou na cancha, porém, longe ainda de jogar um bom futebol.

Contamos com a estreia do atacante Rodriguinho, que veio do surpreendente Santo André. Gostei do que vi. Não que o debutante tenha feito uma grande partida, mas mostrou que possui uma valência rara no elenco tricolor: ele joga de costas e faz a bola ficar mais no ataque. Além disso, Rodriguinho ocupa uma faixa distinta do homem de área, coisa que o Alan é incapaz de fazer. Vai dar caldo com o Fred.

Mas o primeiro tempo beirou o sofrível. Se compararmos o futebol de hoje com os das últimas partidas, vamos enxergar uma evolução, principalmente tática, já que tecnicamente, a rapaziada ainda está meio de mal com a bola; não obstante, nosso time criou mais chances e não seria exagero dizer que poderíamos ter vencido a peleja até os quarenta e cinco minutos iniciais. Para ilustrar a pobreza do time: o Diguinho, que vinha sendo uma luz na medíocre escuridão, jogou bem abaixo das suas atuações recentes, o que não justifica o soar das cornetas nervosas sedentas por uma assopradinha.

Antes de virar de lado, contamos com um Conca irregular, mas, convenhamos: dividir a armação de um time com um sujeito mais esquivo que um gato é difícil. Marquinho tem mais medo da bola que um tímido da multidão. A verdade é que o rapaz mais querido dos últimos quatro treineiros do Fluminense desenvolveu uma técnica apurada: onde a redonda vai, ele nunca está.E o caro leitor tricolor rememorará, sem maior esforço, o Davi, que foi uma espécie de precursor do nosso fantasminha camarada. Tanto o primeiro quanto o segundo não se expõem, por isso erram pouco. É diferente com o Júlio César, por exemplo: como ele ocupa uma parte muito específica do campo, não há como engambelar a visão do torcedor. Se o nosso lateral perseguido – hoje, injustamente, diga-se de passagem – tiver que maltratar nosso coração tricolor, ele o fará, porque a bola precisa passar no setor dele, e ele não tem para onde correr – será que é por isso que o freio de mão dele está terminantemente puxado? Já o Marquinho ocupa a faixa central, e ali é fácil colar num marcador e consagrá-lo. E é justamente isso que o nosso jogador Bombril faz – hoje ele foi parar na lateral novamente, depois da saída do Júlio César . Mas a saga do nosso fantasma não acaba no empate tísico à hora do intervalo.

Na segunda etapa, o Fluminense demorou a se encontrar, menos os zagueiros, que pareciam ter tomado um passe no vestiário, principalmente Leandro Euzébio. Quanto ao Digão, espero que não tenha sido fruto de pajelança, e sim que seu futebol de beque seguro tenha retornado de vez. Precisamos muito dele depois que o nosso playboy poliglota e bom defensor de sobra, Dalton, deu uma de esperto e danço miudinho com o jurídico do Flu. Outrossim, os nossos zagueiros foram tenazes, altivos e jogaram realmente muito bem!

Seguíamos perdendo muitos gols, a despeito do futebol bem mais ou menos apresentado – a verdade é que se o Fluminense não estivesse tão pressionado, a partida de hoje seria vista por um prisma de mais complacência: não jogamos tão mal quanto nos pareceu, quando a emoção já nos usurpara a razão. O rendimento do Conca cresceu, e com ele o time ganhou mais alma, fruindo assim melhor das suas potencialidades. Mariano, o maior órfão do Maicon, ganhou a ajuda de Rodriguinho, que foi jogar por lá. Bela sacada do Muricy, que levou os defensores goianos para o lado direito do Fluminense, o que abriu mais caminhos para o nosso lateral esquerdo que gosta de um freio puxado. O meio campo chegou mais perto do ataque, o que agrupou nossas peças, dando, inclusive, a possibilidade de uma contumaz marcação-pressão há muito relegada a segundo plano nas Laranjeiras.

Quando o jogo descambava para o triste fim, fosse ele o empate modorrento que já dava suas caras ou, na pior das hipóteses, uma derrota apocalíptica, o fantasma deu as caras. Foi aí que o gênio incompreendido reluziu. De fato, ninguém vê o Marquinho; nenhum adversário lhe devota a reles diligência. Dessa feita, o jogador que não causa espanto, que não coloca o oponente em apuros é como um cone: a única preocupação com ele é não esbarrar, trombar com o inútil e inócuo futebolista. E foi justamente ao emergir do seu esquecimento abissal que o Marquinho nos deu a vitória. Quando o Mariano arrancou em diagonal, feito um guepardo, da direita para o centro da área inimiga, nenhum atleticano se preocupou com o espírito sem luz. Ora, fantasma não faz gol! Bem, quando ele sai do limbo subitamente, faz sim senhor. E com a faca e o queijo às mãos, o sempre desmarcado e inútil meia chutou cruzado. O goleiro chegou a tocar na bola inferida pelo espectro que tanto nos apavora, mas não houve apelação. Gol Tricolor! Gol de quem nunca esteve lá. Sinistro!

Para completar a noite de Thriller, todo esse turbilhão do segundo tempo foi desenrolado num completo silêncio de casa assombrada, já que, mais uma vez, o Fluminense atacou para o gol da estrada de ferro no primeiro tempo, fazendo a torcida se fragmentar no Maracanã com o tradicional translado do público nos quinze minutos de paralisação entre um tempo e outro de jogo. Será possível que a diretoria não se importe pelo menos com isso, em jogar com a torcida nos dois tempos, já que para tantos outros temas ela dá as costas solenemente? Basta só dar uma “alô” para o capitão do time e assim ele o procederá no toss.

Como os reforços virão somente no segundo semestre, o jeito é somar o máximo de pontos possível até a paralisação para o Mundial da África do Sul. E já que teremos de aguentar nosso fantasma da bola, que ele traga consigo, do além, o Gravatinha para interceder a favor dessa pobre alma que pena nos universos paralelos de um campo de futebol, sem ser notado por ninguém.

E quem poderá dizer que não foi o velho Gravatinha que chutou aquela bola? É mais crível do que acreditar em fantasmas, não?

Vitor Gouveia

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vamos pra cima deles, Mengo!!


Muito prazer, sou Urubu Folgado. Sentimento metafísico (sic) e materialização do Ser rubronegro. Flamenguista. Convidado pelo meu brilhante colega (sofre)tricolor, postarei minha visão de jogo.

Em muito apreço que trarei a opinião e fomentarei as dicussões da pelada in stadium, televisiva ou no racha coco. Confesso não estar tão participativo daquela com os amigos, aliás, não tenho jogado. Mas também respiro futebol. O Flamengo joga o ano inteiro. Todavia, acho interessante o lado investigativo dos managers capitalistas, da grana alta e enrequecimento rápido. Euros. Altera as perspectivas dos jogadores, do time e das seleções. Principalmente a nossa. Futebol não é dinheiro, mas esse é só um lado da moeda.

Não vou falar em cifras $, prefiro o sentimental do jogador, a opção que lhe foi dada e as vantagens para grupos superiores e articuladores. A cartolagem. Alguém tem que bancar, consequentemente, lucrar. Porém, futebol se ganha no gramado, jogador contra jogador. Quem corre mais. Gol é gol e ponto. Perdeu, já era. Emocionante. Visualize: campo batido, onze de cada lado. Olha pra cima, sol branco, céu azul. Rola a bola...

Essa semana é brava. Começou no domingo, estréia do incógnito Brasileiro. Chuva, Maraca vazio, empate. Mas jogo bom de se ver. Bons atletas (sim, atletas). Caras que não compreendo suas ausências na Seleção de agora. Enfim, seleção, grana, Copa... Deixa pra lá. Mas foi bom! Sou fã das Cadeiras. É possível, bem localizado, entender o desenvolvimento dos times. Chutes precisos e caneladas vergonhosas. Ainda nos falta ataque reserva. Verdade que era um mixto de jogadores, ambos os lados, mas pegado e no espírito da coisa: cada jogo são três pontos pro final. Ganhará um dos quatro primeiros que chegarem, últimos jogos decisivos.

Cada um sabe de sua História com o Maracanã e agora o Engenhão. Esse último, devemos nos preparar. Companheiro carioca durante um bom tempo, segundo as faladas previsões. Mas fui no jogo contra os tricolores paulistas acompanhado de familiares. Não meus, mas um grupo. Que todos tenham dias felizes assim. O estádio é o quintal do torcedor, o acesso é sua rua. Vai explicar isso pras torcidas do Mengão...

Seleção de Dunga ainda estamos em estado de choque. Qualquer diagnóstico será precipitado.

Quarta última. Não aceitei ir ao jogo. Confesso ainda estar triste com a distância, mas esse não é o problema. Paga-se muito caro pelo espetáculo. A multidão é fantástica! Não tenho tempo para fila de ingresso. Mas se tiver que ser, será. O Flamengo foi descuidado diante de um bom time. Há talentosos na outra camisa. Jogo duro, gols perdidos pra ca%&*#!!! Mas são só 2 gols!!! Depois só depois da Copa, outra cabeça... Cheguei no centro de caridade - bar - Takin, aqui perto de casa. Levei minha bandeira e camisa nova. Ambas ainda não tinham dado sorte (sic). O dono é alvinegro cri-cri. Não teve problema, armei bandeira na parede. O Flamengo estava ali. Lugar arrumado e outro erro: tinha um vascaíno do meu lado. Dias como aquele não podem haver vacilos. Tanto dos jogadores como da torcida. Brincadeira. Em tempo, Denis Marques não joga na minha pelada nem na do Saci "camisa 7". Não há nenhum neymarzinho nos juniores??

Aos poucos, vou contando minhas histórias para vocês. Sou bom nisso, tenho até diploma. Mais uma vez obrigado, Vitor. É tricolor mas é gente boa!

Estamos feridos, porém, não mortos. Quinta que vem tem mais. Antes, no sábado vamos testar o Viáfara, contra o rubronegro baiano. Adriano e colombiano, qual mescla vai dar???

domingo, 9 de maio de 2010

E se fosse o Cuca?


E se fosse o Cuca a escalar o Wilians no ataque?
E se fosse o Cuca a dizer que o Fluminense brigaria pelo título jogando essa bolinha?
E se fosse o Cuca à beira do campo dando instruções para jogador nenhum ouvir?
E se fosse o Cuca a substituir três jogadores, sendo que nenhum deles era o Marquinho?
E se fosse o Cuca a sacar o Ewerthon do time?
E se fosse o Cuca a isolar o Mariano no lado direito do campo?
E se fosse o Cuca a deixar o Equi no banco por toda a partida?
E se fosse o Cuca a dizer que o elenco precisa de reforços?
E se fosse o Cuca a perder três partidas em série?...

Estaria pairando na torcida a complacência franciscana de agora, nesse pós-derrota?

Duvido!


Vitor Gouveia

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O País dos Peladeiros



Eu sou peladeiro convicto, inveterado. Não há quase nada que me faça perder a oportunidade de bater a sagrada bolinha uma, duas, ou, quiçá, três vezes por semana. Não precisa ser com aquele grupo fechado muito comum entre peladeiros de toda cidade, com direito a hierarquia bem delineada, arrecadação mensal, prestação de contas, confraternizações periódicas, jogos amistosos contra outros quadros amadores. Basta um telefonema fortuito, uma mensagem de texto de um amigo que anda meio distante, um e-mail de um colega de trabalho ou mesmo através desses encontros casuais com conhecidos feitos por tantas e tantas peladas por essa vida, e lá eu, com minha chuteira, estarei.

Mesmo que eu saiba que exista um prazer essencial a qualquer tipo de pelada, que a simples repetição desse ritual, o futebol praticado entre os eternos aspirantes – no sentido de que, mesmo que a sapiência consuma feito vírus o que há de juvenil em nós, sempre nos pegamos sonhando com os mesmos gols que idealizávamos ainda imberbes, meninos -, é deliciosamente revigorante para a alma, sei que uma pelada pode encerrar em si mesma um universo particular, cerrado a sete chaves do mundo externo.

Alguns círculos do futebol amador, no Brasil, definem com surpreendente retidão a paixão – ou a falta dela? - do brasileiro pelo futebol. Todos aqueles chavões cunhados ao longo do Século passado, repetidos sistematicamente pelos diferentes setores da nossa sociedade criaram uma imagem um tanto macunaímica do brasileiro, ser invariavelmente fanático por toda modalidade e manifestação da cultura do futebol. O mundo das peladas é um ótimo parâmetro para rascunhar – porque é impossível precisá-lo – o boleiro típico.

Existem incontáveis realidades contíguas no mundo dinâmico das peladas tupiniquins. Cada peladeiro ocupa seu espaço em uma casta. A grande maioria dos futebolistas por paixão segue satisfeita com o que tem, sem ambição maior, sobretudo os que, desde a infância, resignados, sabiam que a arquibancada ou o periodismo seriam para todo o sempre o mais próximo que chegariam do realismo fantástico do nosso esporte predileto. Esse joga sem traumas maiores, erra um passe e sorri, perde uma partida sem o menor sinal de apego a ela como quem deixa um pirulito caiar da boca. Tal peladeiro joga pelo prazer de estar com os amigos, ou pelo milagre que vez por outra acontece de fazer uma jogada de antologia, em meio a tantos outros caneleiros que compõem o cenário e o enredo desses opacos jogos periódicos. Driblar um Zé Ninguém tem um valor imenso; fazer um gol num goleiro de mentira gera uma excitação sem par, mesmo que dure um mero instante. Aquilo pode revolver os sonhos mais petrificados, aqueles que existiam na criança antes dela própria diagnosticar a canelice aguda que a acompanhará até a tumba.

Um outro tipo de peladeiro é aquele que chamarei de médio. Esse detém alguma técnica, ou em casos mais específicos, desfila um talento que pode ser adjetivado como inato. Esse jogador possui, na maioria das vezes, acesso às peladas de bom nível, que contêm mais elementos em comum com o jogo profissional que aquela pelada mal ajambrada do exemplo primeiro. Tal jogador pode advir de origens diferentes. Muitos deles foram jogadores de categorias amadoras, com sucesso variado. Certos indivíduos desse grupo heterogêneo tiveram oportunidades em algum clube de grande porte, ou mesmo chegaram a exercer a profissão de jogador. Mas esses são, em via de regra, exceção em meio à composição desses peladeiros. Contudo, quem se insere nessa categoria já gozou de certa fama, fosse na família, num clube, escolinha ou no seu bairro. Todos eles conviveram em algum momento da vida com os sonhos de jogar profissionalmente, alimentando-os a cada elogio que recebiam. Em determinados indivíduos, o sonho ainda os persegue, seja para alimentar o esforço de seguir tentando, seja para cultivar uma lembrança lúdica, sem maiores desdobramentos psicológicos: o trauma de não ter sido o que se sonhou na idade de sonhar .

O terceiro grupo é o mais interessante e misterioso, sem restar qualquer dúvida para quem se debruçou sobre o assunto. São os atletas amadores, que seguem jogando sem remuneração e preparo adequado; entretanto, praticam o futebol num nível de excelência e competição quase profissionais – alguns desses homens nos despertam compaixão, a cada jogada brilhante, a cada lance que os credenciariam ao disputado e incoerente mercado da bola que, por incontáveis e injustificáveis razões os alijou. Nesse universo reluzente, existe um ritual que se repete em toda cidade quase sempre da mesma forma, independente de classe social ou local onde ocorra. Por esses campos do Rio de Janeiro, é possível encontrar incontáveis campeonatos de pelada. Alguns já são realizados há muitos anos e compõem a paisagem de vários bairros e regiões da nossa urbe. Após a proliferação dos campos de piso sintético, os campeonatos ganharam em qualidade, mas nem a precariedade dos anos anteriores era capaz de afastar esses desportistas dos seus sagrados finais de semana de jogador. O futebol amador brasileiro é uma instituição tão secular quanto o futebol profissional.

Os times são um caso a parte. Aqui na Zona Oeste do Rio aprendemos desde molequeinhos os nomes desses marcos importantes da identidade local: Verdinho, Mocidade, Ás de Ouro são nomes que sempre simbolizarão a Meca dos boleiros que, não por falta de talento, desviaram-se do caminho do esporte profissional. Quando pequenas, as crianças passam os Domingos à beira do campo, observando um jogo atrás do outro, com seus craques exibindo seu talento desperdiçado. Nos intervalos entre um match e outro, são os meninos que entram aos borbotões no relvado numa frenética correria para marcar seus gols naqueles modestos campos que ficam momentaneamente no ocaso efêmero entre uma peleja e outra. Todos eles, os meninos, são magnetizados com as imagens e estórias de artistas do submundo do futebol. Não sei se aquilo tudo - a arte, os espetáculos, as rivalidades - datilografado em minha memória é verdade. A infância e a influência dos mais velhos podem ter distorcido substancialmente o que há de crível nessas minhas românticas lembranças. Mas é inconteste que preciso segurar a tietagem dentro de mim para não deixar transparecer a admiração de décadas que tenho por esses gigantes invisíveis. Eu jogo com eles, converso, debato, mas me parece que nem eles sabem do que despertam naquelas crianças e pré-adolescentes à beirada de onde sonham estar quando houver idade e futebol suficiente. Então, me calo - até a presente crônica estampada nesse blog.

Havia falado anteriormente do ritual. Ele existe e é pitoresco. Para se tornar um atleta amador é necessário ser aceito num grupo restrito, composto por grandes boleiros. Quem desbrava a fronteira dessa sociedade inflexível veio das categorias de base – campeonatos de meninos que acontecem usualmente nos mesmos campos, só que aos Sábados – ou de um outro círculo de boleiros, trazido de um outro lugar da cidade por um amigo. E quanto melhor jogador for esse amigo que o introduz o novato, mais paciência haverá para que esse pratique bom futebol. Quem traz para o plantel alguém que não jogue tão bem para fazer parte de um time de pelada, sofre com gozações que podem ser eternas. Há chance do peladeiro médio entrar ou retornar à esse grupo. Mas este normalmente não o faz, nem mediante pedidos e a sedução do dinheiro – existe remuneração em alguns casos, principalmente se houver um patrocinador entusiasta das peladas. O peladeiro médio, por muitas vezes, é um ser cansado das contusões, brigas, rivalidades e, principalmente, do compromisso sacerdotal necessário aos peladeiros amadores.

Os atletas amadores constituem um mosaico de estilos e personalidades diferentes entre si, mas, mesmo a essas distinções aplicam-se impressionantes semelhanças com o jogador profissional. Assim como podemos ver profissionais da bola mercenários, mascarados, carniceiros, craques, estrelas, sortudos, arredios, resmungões, vencedores, controvertidos, também vislumbramos nitidamente tais características tão intrínsecas ao amador da pelota. Não é raro nos depararmos nesses bairros suburbanos com as mesmas celeumas do futebol praticado na escala máxima, profissionalmente. Sempre há aquele que muda de time às vésperas do início do torneio, seja pela lábia de um outrora adversário, seja pelo aporte financeiro que possa existir – quando não, pode ser cerveja, ou uma chuteira nova, ou mesmo a realização de jogar nas equipes mais tradicionais e vencedoras. Na outra ponta, há o fiel, que jogou uma vida inteira pela mesma camisa, por vezes seguindo já um traço familiar, atravessando uma vida de sobressaltos que um time amador, assim como os quadros profissionais, enfrenta: secas de títulos, problemas financeiros e operacionais, perseguições sistemáticas dos árbitros, conflitos internos ou o fim da carreira dos seus principais jogadores.

E se os jogadores profissionais estão cada vez mais desgarrados das instituições magnas do futebol, os clubes, isso gera um reflexo imediato no comportamento da esmagadora maioria dos boleiros sem fama dessa cidade. É clara e evidente a fascinação que o mundo de pompa e glamour do profissionalismo ainda exerce sobre essas pessoas que estiveram tão perto de realizar a proeza de ser um eminente futebolista. Se há um material esportivo novo, por exemplo, o atleta amador logo o adquire, menos para aumentar seu rendimento do que para recrudescer o desencanto por não estar no lugar daqueles afortunados que jogam tanta bola – na maioria dos casos, até menos – quanto ele. As cores tropicais das chuteiras que calçam os pés famosos são as mesmas cores que estampam as chuteiras que chutam as bolas nessa imensidão de campinhos espalhados por todos os cantos. Os cortes de cabelo, os perfumes, o estilo musical, o linguajar, e até as marias-chuteiras são as mesmas – no caso das mulheres de peladeiros, ainda há para elas a esperança de sair do limbo para o estrelato; não pelo peladeiro com o qual ela se enlaça, e sim pelos contatos que a moça vai estabelecendo a partir desses campeonatos de importância reduzida, até chegar a uma festa ou boate recheada de profissionais, levada pelos próprios amadores que ainda mantêm relações com os seus contemporâneos das categorias de base cuja ventura lhes agraciou.

Logo, o atleta amador é, em linhas gerais, um subproduto daquilo que o futebol contemporâneo se tornou: ele não nutre grande paixão por um clube – há casos em que ele alimenta uma irrefreável raiva dos times que lhe fecharam as portas quando novo, ora por um empresário diabólico, ora por uma contusão -, muito menos vai ao estádio. No mesmo horário em que as grandes agremiações entram em campo, estão ocorrendo centenas de campeonatos por todo o Brasil, onde jogam milhares de homens, correndo atrás da bola, alheios ao mundo que não lhes cedeu o que supostamente mereciam. Por isso, os atletas amadores se identificam mais com o jogo – o jogador, na verdade – do que com os clubes de futebol profissional. E basta uma televisão ligada, à hora de um jogo, numa birosca qualquer próxima a esses campos de pelada para notar que essa indiferença pelo grande circuito do futebol contagia toda a comunidade que possui um campeonato de pelada: todos querem saber mesmo é dos seus gênios locais, dos craques que não foram, dos grandes jogos entre um bairro e outro.

Tudo isso dá à paixão do brasileiro pelo futebol um molho a mais, mas também lhe ceifa o primordial: o amor insubstituível por um clube de futebol. Logo me vem à cabeça, ao chegar a tal conclusão, as palavras ditas pelo vocalista do U2, Bono Vox, sujeito entusiasta do futebol, quando sua banda veio ao Brasil realizar sua primeira grande turnê. Ele disse ter achado o máximo que os brasileiros tenham seus campinhos de futebol nos seus sítios e residências, que jamais presenciara isso na Irlanda ou em qualquer dos muitos países que já visitara. Talvez, ele tivesse perplexidade maior ao constatar que os brasileiros deixam de ir ao estádio para jogar uma pelada, que as peladas às quartas-feiras à noite, na hora nobre do futebol em todo mundo, estão cheias de gente de chuteira Nike e camisas de times europeus, bem na hora em que o time de infância de cada um desses boleiros está em campo, defendo as cores as quais que eles supostamente juram ser fiéis até a morte. E ai de quem disser a esses caras que eles não são torcedores que prestem. Não há ofensa maior ao brasileiro do que questionar sua paixão pelo futebol.

Não que eu me queixe disso tudo. Tendo a acreditar – e a me conformar, também - que essa característica seja exclusividade do brasileiro, o que lhe confere um controverso galardão. Só não caio na falácia repetida pela imprensa e pelos publicitários, principalmente nas vésperas de uma Copa do Mundo. Somos o país dos peladeiros, jamais do Futebol.

Vitor Gouveia

terça-feira, 4 de maio de 2010

Muita casca para pouco recheio


Acabo de ouvir direto das caixas de som do meu aparelho televisor que haverá uma mega mobilização da “torcida” corintiana para prestar auxílio anímico ao time do Parque São Jorge, pela segunda e derradeira partida das oitavas de final da Copa Libertadores, na quarta-feira próxima. Serão mais de 40.000 apitos para fazer um barulho que possa levantar o astral dos jogadores, criando uma atmosfera hostil para o nosso tradicional adversário, o Flamengo.

O leitor pode achar estranho o fato de eu ter ouvido a notícia sem registro visual, que é, em última instância, o fator de atração que consagrou o aparelho televisor como um amigo íntimo de cada pessoa que tenha até 50 anos de idade. Não que eu não goste da imagem da minha TV ou do mosaico colorido dos programas de esporte vespertinos – eles devem ser assim engraçadinhos, animados e coleidoscópicos devido ao fato das pessoas estarem abarrotados de comida em processo de digestão, entre um turno e outro do trabalho, loucas para uma sonequinha a qual só poderão desfrutar no sofá de casa, depois do pôr-do-sol -, mas não consigo ouvir o que não faria a menor falta na minha vida – seja pela pauta risível, pelos textos escritos nas coxas ou pela banalização do fato esportivo – em estado de prontidão, defronte à TV. Por isso, ligo a televisão e sigo dando continuidade aos meus afazeres cotidianos.

Não vi a face do repórter do Globo Esporte que soltou a notícia do apitaço, mas não se fez necessário. Pelas inflexões dadas ao texto, já deu para diagnosticar aquele clima de frango e farofa tão característico do programa que tem seu protótipo cada vez mais difundido na imprensa esportiva . Paralelamente à disseminação de subterfúgios retóricos e tecnológicos dos nossos periodistas existe um avanço geométrico de novas mídias e a abertura de novos espaços de exposição para a literatura esportiva – esse blog é prova irrefutável disso. Talvez a concorrência com os anônimos e amadores produtores de informação tenha acirrado uma prática comum da imprensa desde a época em que o tenro jornal impresso mexeu com as estruturas da sociedade ocidental: são nitidamente perceptíveis a produção de factóides e a sua obsessiva e massificada repetição. O caso do apitaço é só mais um entre tantos. Quem já não se acostumou a ouvir corriqueiramente expressões como “país do futebol”, “Flamengo hexacampeão brasileiro”, “os argentinos odeiam amar os brasileiros”, “a torcida do São Paulo é fanática pela Libertadores”… Há chavões para todos os gostos.

Ao abrir os maiores portais esportivos na internet, tenho a sensação de que o dia não tem mais vinte a quatro horas. São várias rotações no tempo de uma só. Num espaço de não mais de oito horas, as páginas, sejam elas as iniciais – correspondentes à primeira página dos jornais impressos – ou as relativas a um time ou a esporte qualquer que não seja o futebol – o miolo do jornal -, já estão completamente modificadas pela avalanche de novas imagens e informações. Os textos e fotos de horas antes somem feito um ladrão na escuridão. Meus amigos, ou a minha vida é uma chatice de novela mexicana ou o volume de novos textos é desproporcional. Em oito horas, se não houver um cataclismo no mundo, a vida de qualquer pessoa ou grupo de trabalho não muda assim feito um camaleão em temporada de reprodução. É muita casca para pouco recheio.

Pois bem, o jornalista nidifica no seu próprio engodo, no molde já enraizado por anos de veiculação. É como uma linha de montagem: pega-se o corpo da informação – já batida, repetida – e coloca-se o que é necessário para dar-lhe caráter autoral, mesmo que seja difícil imaginar que alguém tenha orgulho em assinar baboseiras tão rotundas. Mas como a informação é tão frívola e descartável, basta apertar o “atualizar” em qualquer computador de redação da vida para soterrar um texto sofrível por estilo, ou por enredo.

Volto ao caso do apitaço por ser deveras didático: o repórter reproduziu o fato que já estamos cansados de ver quando há alguma peleja importante a ser disputada por um clube brasileiro. Sempre há alguém ou grupo tresloucado que toma dianteira e resolve entupir a torcida de apitos – quem não se lembra do inferno da Libertadores de 2008 disputada pelo Fluminense, ao som de milhares de torcedores de final num assoprar infernal?. Comprados os apitos, chega a hora do sagaz repórter, que reproduz com um sorriso branco retinto a informação de que a torcida em questão vai utilizar milhares de apitos para “fazer a festa” e empurrar o seu time de coração para mais um triunfo. Hora, vejam: é esse mesmo tipo de repórter que volta da Argentina, quando vai à trabalho, relatando o clima místico das torcidas de lá. Os relatos sempre repetem as velhas máximas de que os argentinos cantam o tempo todo e empurram seus times com a força das canções de exaltação ao clube. Já viram algum repórter ou cronista que tenha visto uma torcida argentina in loco contar da beleza e da intimidação causada por milhares de apitos? Definitivamente, não.

Mas, se o tempo do noticiário urge feito uma morte anunciada, se existem dezenas de outros programas e materiais sendo concomitantemente produzidos no segmento esportivo, se o público vai dar de ombros para o fato de que apitar feito um guarda de trânsito não leva energia extra a jogador nenhum, por que não repetir a mesma mentirinha mais uma vez? Tal informação vai soar sempre tão natural quanto o triste fato de que mais uma vez uma grande torcida do Brasil vai apitar em vez de cantar. Mas, não tem problema, na hora de confeccionar as chamadas que promoverão o jogo das duas maiores torcidas do Brasil nos intervalos comerciais, já vai haver um arquivo santo que vai reproduzir a canção que a torcida do Corinthians não vai conseguir cantar à hora do jogo, seja pelos apitos, seja pelos torcedores de ocasião que têm bala na agulha para pagar pelos ingressos abusivos, substituindo assim aquele povo que vai aos jogos de menor apelo – esses que as emissoras aproveitam para gravar a musiquinha que vai embalar a divulgação da partida durante os dias que antecedem a mesma.

Se a previsibilidade da imprensa se restringisse ao caso dos agastantes apitos, eu me resignaria. O efeito nefasto sobre o futebol seria irrisório. Contudo, a produção de arquétipos via jornalismo já foi mais inspirada e menos danosa. Mas isso foi no tempo em que o dia tinha vinte e quatro horas e a página do jornal só mudava através da aquisição de um outro exemplar, na manhã do dia seguinte.

Vitor Gouveia

domingo, 2 de maio de 2010

Eu não, Professor!


Nesse Domingo eu fiz uma verdadeira viagem no tempo. Aquilo que jazia a sete palmos nos escombros do futebol arte irrompeu pela tela da minha televisão. Se o futebol era realmente aquilo que cresci ouvindo do meu pai, acho que ele veio dar um olá para uma geração acostumada a se envolver com tanta besteira que parece estar acoplada a santa bola, mas não está, definitivamente. O futebol é muito mais do que nos acostumamos a amar, sobretudo os mais jovens como eu.

Assisti a uma grande final de campeonato paulista. O deslumbrante Santos cumpriu a profecia dos fãs de futebol e da imprensa: sagrou-se o time da Vila Belmiro Campeão Estadual. O jogo foi fantástico. O valente Santo André fez um gol relâmpago, como fizera na semana anterior. Talvez por isso o clima de desespero não se instaurou nem na torcida, tampouco nos jogadores. Não dá nem para por na conta de uma suposta soberba santista tal indiferença à derrota parcial. Se no jogo anterior foi possível virar o placar, por que não nesse em curso ? O Santos igualou o placar depois de uma grande jogada do Robinho, num toque de letra genial. Neymar recebeu o doce passe e instaurou a esbórnia futebolística na área do Santo André. Driblou, derrubou um desesperado zagueiro. Golaço do menino! Ele é um grande jogador de fato, uma joia rara. Tomara que não façam um reality show com um garoto que foi mimado a vida inteira, que foi sempre o melhor entre os melhores e, que por isso, é um boquirroto em potencial. Tenho certeza que a língua frouxa há de se contentar em dizer somente o que for previamente analisado, quando a sabedoria atracar naquela cabeça vazia de adolescente.

O time do ABC seguiu fazendo o que fez em toda a campanha: jogou para o ataque. E jogou bem. Pôs-se na dianteira, novamente. Mas o personagem do jogo deu o ar da graça. Paulo Henrique Ganso num toque de letra sobrenatural - algum fantasma de algum torcedor preso ao mundo dos homens por não conseguir deixar o futebol deve ter lhe assoprado o rumo do passe - pôs Neymar na cara do gol, e o garoto não costuma perdoar: 2x2.

O jogo descambou para a batalha campal. O time do Santo André armou um desproprocional fusuê devido a uma das incontáveis farsas de Neymar. Nessa cavada de ator falido engendrou-se uma história que há de ecoar por muitas gerações, anabolizando o mito, construindo o relato indestrutível que contará sobre um garoto de 20 anos que jogou como um Rei astuto e experiente.

Após o quiprocó que levou ao vestiário um jogador de cada time, houve mais uma expulsão. O experiente Marquinhos deu um carrinho tão sanguinolento quanto estúpido no avante andreense e tomou o caminho de casa. Para rechear o drama - como se já não houvesse motivo para o roer de unhas do público - o azarão chegou à metade do cotejo com a vantegem de 3x2. Mais um gol e o título iria para o improvável Santo André.

O sengundo tempo foi morno. Mas foi morno porque assim quis o catedrático meia santista. Ele fez o que quis: passou a bola para o lado, virou o jogo, chamou as faltas - conseguiu todas elas -, deu passes verticais, conquistou suados laterais. O ritmo do jogo estava ao bel prazer do Ganso, o qual o apelido não posso conceber origem diferente que não seja o fato desse monstro da bola não olhar para a mesma, nunca, como tal ave jamais olha suas próprias patas, impetrando seu olhar galante para frente. Ela, a bola, é escrava do menino Rei. Ele a detém ao ponto de não se preocupar que ela lhe deseje escapar das suas travas. Ganso sabe que a redonda o adora, que ela não fugiria do seu domínio sem motivo aparente.

À essa altura eu já tinha esquecido as ridículas dancinhas, as chuteiras roxas e o absurdo caso em que os decantados meninos da vila se recusaram a prestar solidariedade a crianças excepcionais sob tutela de uma entidade espírita: estava torcendo, àquele instante do segundo tempo, pelo time do Paulo Henrique, que poderia ser qualquer um. Não faria a menor diferença fosse um outro time.

De repente, num devaneio de professor pardal, o terinador alvinegro, Dorival Júnior, resolve sacar o Neymar para lançar mão de uma figura já bastante conhecida pelos tricolores de todo Brasil. Um volante sem inspiração qualquer e que ultimamente voltou às manchetes por ter servido de guru religioso para os garotos da baixada santista no caso das crianças do centro espírita. O nome do medíocre jogador é Roberto Brum. Ele mesmo, meus caros companheiros. Não bastasse sua tétrica inoperância nas quatro linhas, agora o nosso velho amigo profere a intolerância religiosa nas concentrações da vida. E o nosso ex-jogador deixou o Santos com sete jogadores na linha, após um carrinho que deve estar na conta de Deus para a hora do juízo final desse profeta e jogador de araque. Mas foi bom; foi divino, arrisco-me a dizer. Um homem de Deus fez valer o ditado por Séculos reproduzido em nosso país: "Deus escreve certo por linhas tortas".

A partir daí, o jogo virou um solo do Ganso, ao invés da previsível pressão que viria do lado inimigo. Não há jogador, por mais burocrático e invisível que seja, que não se torne um titã numa final de campeonato contra o favorito reduzido a sete espartanos em campo. Entretanto, havia o jogador que só olha para cima, infante, em campo. Ele continuou fazendo o quis da partida; só que nesse momento, cada vez mais ilhado no ataque, cada vez mais encarcerado pelos marcadores.

Só que nesse voo solo do craque, o eminente professor pardal quis entrar. O treinador Dorival Júnior, nitidamente fora de si, resolve retirar Paulo Henrique Ganso para colocar um João qualquer, a fim de morrer abraçado com resultado que lhe daria o título mais importante de sua promissora carreira de técnico de futebol. E foi justamente na loucura a pulsar dos olhos do apavorado treinador que reluziu, em reflexo, o craque. O menino de vinte anos vira convicto para o chefe e diz "Eu não, professor. Eu vou ficar. Tem que sair o André", falando com a boca, olhos e braços, para ver se trazia o doido comandante de volta para a tensa realidade. Ou foi isso que subitamente aconteceu, ou o chefe da nau santista resignou-se a aceitar o desafio explícito à hierarquia do grupo que comandou com reconhecido sucesso. Assim como o nosso craque pediu, o seu treinador obedeceu. Saiu o André, ficou o Paulo Henrique.

Paulo Henrique Ganso ficou, jogou, ou melhor, desfilou como um cisne. Ganso já não é alcunha que lhe caiba. O Santos foi campeão com toda justiça.

E eu logo me vi diante de um craque que joga como os do passado, no seu próprio tempo. Assim como Nelson Rodrigues escreveu sobre Didi, eu me sinto à vontade para fazer uso da paráfrase: "Ganso imprime ao jogo o peso da lesma". E o que é mais delicioso: são os outros que parecem sempre irremediavelmente presos à gosma da lesma com a bola nos pés, enquanto ela mesma - a lesma de chuteiras - está nos gramados dando espetáculo, sempre livre, sempre desmarcada.

E não bastase o jogador espetacular fora do seu tempo - o passado -, ainda há o homem que se impõe ao burocrata da linha lateral, como fizeram Gérson, Pelé, Carlos Alberto, Didi e tantos outros habitantes do panteão do futebol deste país.

E que a conservadora "Família Dunga" tenha nos seus quadros o artista, a lesma, o cisne. Deixar esse super jogador de fora de um mundial não será passível de perdão, nem pedindo a intervenção do insólito Pastor Roberto Brum.

Vitor Gouveia