sábado, 15 de maio de 2010

O Homem que não estava lá


Com o drama inequívoco e esperado devido ao momento vivido nesse ano, o Fluminense conquistou os primeiros pontos nesse campeonato brasileiro meio barro meio tijolo. Isso sempre acontece em todos os anos, quando boa parte das equipes está em estágio decisivo em outras competições. Assim, enfrentamos um Atlético Goianiense misto, com direito a Rodrigo Tiuí e tudo!

Começamos o jogo ainda confusos pela alteração tática mais do que premente, desde a morte do Time que Guerreiros ainda no Estadual. Os três zagueiros foram extintos para a entrada de mais um meio campista. Isso gerou certa confusão no início do jogo, pois a dupla de volantes não se achou com os zagueiros , que não tinham mais aquela opção de saída lateral do zagueiro da sobra para os que jogam abertos. Nossos laterais, que há tanto tempo jogavam de ala, viram-se presos à boa marcação do time rubro-negro, principalmente no primeiro tempo. Sem a ajuda dos atletas mais qualificados para saída de bola, os nossos zagueiros, Digão e Leandro Euzébio, tiveram que tomar à dianteira. O resultado foi quase um pastelão. Mas o espetáculo de horrores foi curto. Logo o Fluminense se assentou na cancha, porém, longe ainda de jogar um bom futebol.

Contamos com a estreia do atacante Rodriguinho, que veio do surpreendente Santo André. Gostei do que vi. Não que o debutante tenha feito uma grande partida, mas mostrou que possui uma valência rara no elenco tricolor: ele joga de costas e faz a bola ficar mais no ataque. Além disso, Rodriguinho ocupa uma faixa distinta do homem de área, coisa que o Alan é incapaz de fazer. Vai dar caldo com o Fred.

Mas o primeiro tempo beirou o sofrível. Se compararmos o futebol de hoje com os das últimas partidas, vamos enxergar uma evolução, principalmente tática, já que tecnicamente, a rapaziada ainda está meio de mal com a bola; não obstante, nosso time criou mais chances e não seria exagero dizer que poderíamos ter vencido a peleja até os quarenta e cinco minutos iniciais. Para ilustrar a pobreza do time: o Diguinho, que vinha sendo uma luz na medíocre escuridão, jogou bem abaixo das suas atuações recentes, o que não justifica o soar das cornetas nervosas sedentas por uma assopradinha.

Antes de virar de lado, contamos com um Conca irregular, mas, convenhamos: dividir a armação de um time com um sujeito mais esquivo que um gato é difícil. Marquinho tem mais medo da bola que um tímido da multidão. A verdade é que o rapaz mais querido dos últimos quatro treineiros do Fluminense desenvolveu uma técnica apurada: onde a redonda vai, ele nunca está.E o caro leitor tricolor rememorará, sem maior esforço, o Davi, que foi uma espécie de precursor do nosso fantasminha camarada. Tanto o primeiro quanto o segundo não se expõem, por isso erram pouco. É diferente com o Júlio César, por exemplo: como ele ocupa uma parte muito específica do campo, não há como engambelar a visão do torcedor. Se o nosso lateral perseguido – hoje, injustamente, diga-se de passagem – tiver que maltratar nosso coração tricolor, ele o fará, porque a bola precisa passar no setor dele, e ele não tem para onde correr – será que é por isso que o freio de mão dele está terminantemente puxado? Já o Marquinho ocupa a faixa central, e ali é fácil colar num marcador e consagrá-lo. E é justamente isso que o nosso jogador Bombril faz – hoje ele foi parar na lateral novamente, depois da saída do Júlio César . Mas a saga do nosso fantasma não acaba no empate tísico à hora do intervalo.

Na segunda etapa, o Fluminense demorou a se encontrar, menos os zagueiros, que pareciam ter tomado um passe no vestiário, principalmente Leandro Euzébio. Quanto ao Digão, espero que não tenha sido fruto de pajelança, e sim que seu futebol de beque seguro tenha retornado de vez. Precisamos muito dele depois que o nosso playboy poliglota e bom defensor de sobra, Dalton, deu uma de esperto e danço miudinho com o jurídico do Flu. Outrossim, os nossos zagueiros foram tenazes, altivos e jogaram realmente muito bem!

Seguíamos perdendo muitos gols, a despeito do futebol bem mais ou menos apresentado – a verdade é que se o Fluminense não estivesse tão pressionado, a partida de hoje seria vista por um prisma de mais complacência: não jogamos tão mal quanto nos pareceu, quando a emoção já nos usurpara a razão. O rendimento do Conca cresceu, e com ele o time ganhou mais alma, fruindo assim melhor das suas potencialidades. Mariano, o maior órfão do Maicon, ganhou a ajuda de Rodriguinho, que foi jogar por lá. Bela sacada do Muricy, que levou os defensores goianos para o lado direito do Fluminense, o que abriu mais caminhos para o nosso lateral esquerdo que gosta de um freio puxado. O meio campo chegou mais perto do ataque, o que agrupou nossas peças, dando, inclusive, a possibilidade de uma contumaz marcação-pressão há muito relegada a segundo plano nas Laranjeiras.

Quando o jogo descambava para o triste fim, fosse ele o empate modorrento que já dava suas caras ou, na pior das hipóteses, uma derrota apocalíptica, o fantasma deu as caras. Foi aí que o gênio incompreendido reluziu. De fato, ninguém vê o Marquinho; nenhum adversário lhe devota a reles diligência. Dessa feita, o jogador que não causa espanto, que não coloca o oponente em apuros é como um cone: a única preocupação com ele é não esbarrar, trombar com o inútil e inócuo futebolista. E foi justamente ao emergir do seu esquecimento abissal que o Marquinho nos deu a vitória. Quando o Mariano arrancou em diagonal, feito um guepardo, da direita para o centro da área inimiga, nenhum atleticano se preocupou com o espírito sem luz. Ora, fantasma não faz gol! Bem, quando ele sai do limbo subitamente, faz sim senhor. E com a faca e o queijo às mãos, o sempre desmarcado e inútil meia chutou cruzado. O goleiro chegou a tocar na bola inferida pelo espectro que tanto nos apavora, mas não houve apelação. Gol Tricolor! Gol de quem nunca esteve lá. Sinistro!

Para completar a noite de Thriller, todo esse turbilhão do segundo tempo foi desenrolado num completo silêncio de casa assombrada, já que, mais uma vez, o Fluminense atacou para o gol da estrada de ferro no primeiro tempo, fazendo a torcida se fragmentar no Maracanã com o tradicional translado do público nos quinze minutos de paralisação entre um tempo e outro de jogo. Será possível que a diretoria não se importe pelo menos com isso, em jogar com a torcida nos dois tempos, já que para tantos outros temas ela dá as costas solenemente? Basta só dar uma “alô” para o capitão do time e assim ele o procederá no toss.

Como os reforços virão somente no segundo semestre, o jeito é somar o máximo de pontos possível até a paralisação para o Mundial da África do Sul. E já que teremos de aguentar nosso fantasma da bola, que ele traga consigo, do além, o Gravatinha para interceder a favor dessa pobre alma que pena nos universos paralelos de um campo de futebol, sem ser notado por ninguém.

E quem poderá dizer que não foi o velho Gravatinha que chutou aquela bola? É mais crível do que acreditar em fantasmas, não?

Vitor Gouveia

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