terça-feira, 18 de maio de 2010

Passaporte para o desconhecido


Estamos nos primeiros momentos do campeonato brasileiro de futebol, mas a muito pouco tempo de viver uma substancial e longa mudança na nossa realidade de torcedor: vamos perder por no mínimo três anos o Maracanã. Iremos mandar nossos jogos no Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão.

Existe uma série problemas envolvidos nessa viagem com volta – graças a Deus! -, já que o estádio foi arrendado pelo Botafogo por vinte anos e o Maracanã voltará a ser alugado por nós ao final do Mundial de 2014. E aquele pensamento – “segurem a pemba, chorões” - que lembro ter tido tão logo o Fluminense “perdeu” a concorrência pelo usufruto do estádio, agora retorna recrudescido, só que a “pemba”, nesse momento, está prestes a cair nas mãos da diretoria e da torcida tricolor.

Engraçado esse termo “pemba”. Ele serve para denotar um fardo, uma coisa difícil de lidar. Porém, acho que ninguém sabe ao certo o significado literal dessa expressão do coloquial brasileiro. Assim como ninguém sabe o que é uma “pemba”, a despeito do que essa palavra assume inserida na famosa expressão supracitada, o Fluminense não sabe nada do Engenhão. Triste é concluir que, ademais o fato do buraco negro que vem a ser esse estádio infeliz, o nosso querido clube é uma “pemba” encerrada em si mesma. O Fluminense não sabe do seu torcedor, logo, não sabe de si próprio, em última instância.

A comprovação cristalina desse fato é o nosso recém ressuscitado plano de sócio torcedor conhecido como Passaporte Tricolor. O Passaporte foi uma importante ferramenta de inclusão de uma maciça parcela de nossa torcida, de maneira mais assídua, no ano de 2008, quando jogamos a Taça Libertadores. Muitos torcedores apostaram no passaporte porque viram, desde o início daquele ano, que o Fluminense poderia avançar no maior torneio do nosso continente. Com o desenrolar das fases mais agudas, os ingressos ficariam mais caros e inacessíveis. Por R$40 mensais, o torcedor tricolor poderia ver qualquer partida cujo mando de campo fosse nosso. Pois bem, o programa representou não só um incremento de torcedores nos jogos de menor apelo como mostrou nitidamente o potencial da nossa torcida, além de deixar explícito que os caminhos da fidelização do torcedor não são tão complicados de se percorrer: o torcedor do Fluminense estava ansioso por um pouco de atenção do clube, por ser tratado como protagonista.

Depois desse sucesso, o Passaporte sofreu com críticas, principalmente as que contavam do aumento do valor da mensalidade e do insano contrato assinado com a prestadora de serviços que produzia e dava sequência ao programa. O valor revertido ao clube era irrisório. Nessa mesma época, ganhou força a campanha de associação ao clube que levou muitos sócios torcedores a migrar para a modalidade que permitia ao associado participar da vida política do clube. Antes de dizer que a mudança foi acertada por grande parte da nossa torcida, é necessário pontuar o absurdo. Só mesmo no Fluminense o sócio vota mas não recebe o direito de ver os jogos do clube por isso – existe o benefício da meia entrada, mas até esse andou suspenso nos últimos tempos –, e o sócio torcedor não vota mas ganha direito de assistir os jogos. A manobra política é evidente, mesmo que lida nas entrelinhas. O sócio torcedor paga menos e tem direito a ver os jogos do seu clube, contudo, não vota. Um clube que não anseia por ter mais torcedores de arquibancada nos seus quadros sociais só poderia mesmo proceder de maneira tão desleixada com o sujeito que lhe traz a honraria de ser conhecido como clube grande.

E depois de ter sido enterrado, o passaporte tricolor retornou. Excetuando o valor inicial para confecção da carteira de “associado”, o valor da mensalidade é de R$55, sendo assim liberada a entrada do torcedor no setor das arquibancadas amarelas do ”maior do mundo”. Mas, quem fez o programa parece ter chegado de Vênus por esses dias, e não sabe que o Maracanã vai fechar pelos próximos anos. Por isso, os nossos magnânimos extra terrestres da galáxia distante de Laranjeiras não previram sequer o que qualquer criança sabe de cor e salteado: se não cair um estádio do céu, vamos jogar naquele horroroso estádio da prefeitura.

Mesmo que o senso comum diga que o Engenhão é o mais moderno estádio em território nacional, que ele é o que reflete melhor, no Brasil, o conceito de arenas modernas e aprazíveis ao torcedor, é possível refutar tal afirmação com precisão. Quem já foi ao estádio sabe que a atmosfera lá é ruim e que aquela arquibancada para além dos gols é inacabada. Só os setores Leste e Oeste inferior são razoáveis para quem gosta de torcer para seu time de futebol; o resto do estádio é feito para quem vai ver um meeting de atletismo, e de binóculos, de preferência. A segurança lá já se mostrou mais difícil de ser promovida pelo GEPE, além dos problemas com o estacionamento de veículos.

Por isso, o mínimo que se poderia esperar do passaporte tricolor é que, no seu contrato de adesão, já estivesse estabelecido onde o torcedor associado deve se localizar no Engenhão. Mas, o Fluminense é um clube incrível! É muito provável que os mentores do Passaporte nunca tenham ido ao Engenhão, ou sequer tenham consultado torcedores que lá já estiveram para acompanhar um jogo de futebol. Pode até ser que a diretoria ainda esteja aventando outras possibilidades, como o Raulino de Oliveira ou São Januário. Se for isso, é hora de fechar para balanço e chorar na cama – com PFC, amendoim e um gorozinho – que é lugar quente.

A falta de projeto é gritante. O programa entra no ar às vésperas de uma mudança anunciada desde a divulgação do cronograma de obras do Maracanã, e mesmo assim, o Passaporte Tricolor entra em cena depois do tempo, já que a comercialização deveria estar sendo feita desde o ano passado – vide o caso dos clubes europeus que seis meses antes de começarem as ligas locais estão vendendo pacotes de ingressos com sedutores descontos que garantem austeridade e casa cheia o ano inteiro. Não há também uma definição sobre os ingressos destinados às Organizadas, o que faz a situação beirar o risível. Imaginem que o nosso Marketing ainda não se posicionou sobre a possibilidade do Passaporte ser destinado ao mesmo setor dos ingressos gratuitos. Se isso acontecer, mais do que um tiro no próprio pé do programa, já que as gratuidades limitarão o número de pacotes que poderão ser vendidos, revelar-se-á novamente a falta de vontade política para resolver de vez essa questão, seja para acabar com os ingressos gratuitos, seja para normatizar a distribuição, de modo que essa não seja mais por razões políticas e pontuais.

Por isso tudo, não fiz meu Passaporte. Quem entraria num barco sem comandante que navega ao prazer do vento, sem saber onde vai chegar? Mas ainda há tempo de aprumar as coisas, se é que existe interesse real em fazer da torcida parte primordial do espetáculo e promotora importante do orçamento do futebol Tricolor.


Vitor Gouveia

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